terça-feira, 19 de novembro de 2013

FUTURO CAMPEÃO - O ESPORTE COMO CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA


A prática esportiva vai muito além das disputas dentro dos estádios e ginásios. Ao aliar esporte na rotina é possível permitir, que crianças e jovens se sintam participantes da sociedade, além de possibilitar que eles desenvolvam habilidades fundamentais para o desenvolvimento físico, psicológico e para o processo educacional.

Tendo como principal objetivo levar noções de cidadania e inclusão social através do esporte, o projeto Futuro Campeão realizado a partir de uma parceria entre a Secretaria de Esporte e Lazer do Rio de Janeiro (SEEL) e o Instituto Robson Caetano (IRC) passa a integrar a rotina de 10  comunidades pacificadas, levando mais dignidade e qualidade de vida para centenas de crianças e jovens.

Dentre as comunidades com UPP´s beneficiadas este ano pelo projeto, estão: Cidade de Deus, Borel, Salgueiro, Andaraí, Macacos, São João, Batan, Mangueira, Rocinha e Complexo do Alemão (Fazendinha).

A frente da presidência do Instituto está Robson Caetano, que  é dono de duas medalhas olímpicas ( Bronze em Seul/1988 nos 200m rasos e Atlanta/1996 no revezamento 4 x 100).  Disputou quatro Jogos Olímpicos, possui duas medalhas de ouro em Jogos Pan-Americanos, bateu sete recordes sul-americanos e desde 1988 até hoje é o dono da marca dos 100m com 10s.

Confira abaixo a entrevista que o presidente do IRC, o medalhista olímpico Robson Caetano concedeu ao PMDB AFRO RJ.

Como surgiu a ideia  de se desenvolver o projeto  Futuro Campeão em Comunidades Carentes?

A ideia surgiu de um sonho  que eu  sempre tive que é de ter um projeto social. E aí reencontrei dois grandes amigos, Paulo Ramón e o Robson Maia, que começaram realmente a dar uma aquecida nessa ideia, dando um norte pra ela, então  a gente começou a desenvolver as metas do projeto.  E o que era para ser apenas um projeto escolar,  com palestras para falar sobre a importância do esporte, acabou,  incentivado por uma pessoa que era a secretária de esporte na época,   a  Márcia Lins, a fazer parte de um guarda chuva maior, que era o projeto Rio 2016. Nesse projeto Rio 2016 a gente pensou em desenvolver um a proposta que levasse para as crianças uma ideia de  através da oportunidade se  conseguir o sucesso. Não como atleta propriamente dito, mas como pessoas, como cidadãos.   O projeto   não saiu na gestão da Márcia Lins. Não é um projeto que dependa do secretário vigente, é um projeto que independe disso, é um projeto muito maior, é   realmente projeto de proliferação da qualidade de vida, e da prática esportiva, e de oportunidades que  são dadas aos meninos e meninas das comunidades carentes.   O  Futuro  Campeão vem exatamente para dar ao menino que é carente e não tem por exemplo, dinheiro para comprar uma chuteira, para comprar uma camisa, a oportunidade de ter um par de tênis, meia , calção, camiseta, oferecidos pelo projeto, e a pratica com um profissional de educação física e toda uma equipe multidisciplinar que vai dar um suporte, no momento  necessário.    

 Esse projeto então é oriundo de seu sonho. Como ele está relacionado ao seu processo de vida?

A gente tem sempre o desejo de retribuir à sociedade aquilo que ela ofereceu pra gente. E me foi oferecida uma oportunidade através de uma profissional de educação para que eu pudesse entrar no esporte e fazer do esporte a minha vida. Eu sempre falo que o esporte se tornou a minha arma para o sucesso, é um pouco pesado, mas é necessário ser dito, pois é muita a nossa realidade.  Enquanto outros empunham armas de verdade, a minha arma para o sucesso foi um calção, uma par de  uma sapatilha para correr , uma camiseta e um clube chamado Botafogo. A minha origem é   extremamente humilde. Eu sou de uma comunidade que talvez seja uma das mais violentas do Rio de Janeiro, que é a comunidade da Maré,  Nova Holanda. Que é uma das sete que nós temos de facções que são extremamente violentas no sentido de proteção daquilo que eles consideram um comércio. Mas que felizmente pra gente é ilegal, pois protege ainda mais as nossas crianças.  E eu venho dessa realidade.

Assistindo isso, e  vendo várias outros projetos e pessoas tentando de todas as formas fazer com que a comunidades sejam conhecidas através de seus nomes . Existem vários exemplos como escritores, físicos, professores e profissionais que fazem a sua parte, e são oriundos dessas comunidades.    E partir do momento que a gente joga um projeto como esse para as comunidades, a gente vai conseguindo com que as pessoas tenham mais orgulho de estar, ou de terem nascido em  uma comunidade carente, como eu sou orgulhoso.


Grande  parte dessas crianças têm a traumática experiência de convívio em uma área por muito tempo dominada pelo crime organizado.  Já é possível sentir o impacto desse projeto na vida dessas crianças?

Está muito recente. O projeto é muito recente. Nós começamos esse ano. As avaliações vão ser feitas da metade para o ano que está entrando, 2014.   Então, de cara eu posso dizer para você que a adesão é muito grande.  Só pelo fato de a adesão estar sendo grande, a gente já vê o resultado como positivo. O que me deixa muito contente.  Para estar recebendo lá garotos que estavam com o pé no craque, e que por conta desse trabalho feito com ele duas vezes por semana, eles começam a identificar a possibilidade de ser uma pessoa respeitada por fazer esporte. Então isso já é um indicador positivo, e outros virão.

E como você se sente fazendo parte desse momento do Rio de Janeiro em que comunidades por muito tempo dominadas pelo trafico se veem livres, finalmente acolhidas pelo Estado,  e com essas crianças tendo a possibilidade de exercerem  o direito de sonhar mais alto?

Eu me sinto muito bem fazendo o bem, e conto com um time muito imbuído desse dever.  Eu me sinto muito bem proporcionando o bem às pessoas.  E principalmente dando a oportunidade,    tendo sempre um plano para que a gente possa encontrar saída para esses meninos. Muitos vão pedir coisas que nos não vamos poder dar, mas com certeza terão uma vida mais longa. Uma vida mais decente. E principalmente uma vida junto a família.  Porque a gente esta muito preocupado com a família também.  Eu recebi na Fazenda Botafogo, onde nós começamos, um menino que já estava vulnerável ao craque devido ao círculo de amizades. Hoje ele esta treinando conosco e o resultado é muito positivo.


Hoje ele está menos vulnerável craque?

Ele ainda tem amigos no craque. O problema é esse. Então a gente tem que reforçar. Hoje ele não esta mais morando na rua.  A gente não obriga nada. E   a gente da a liberdade para a pessoa fazer o que ela acha que é certo.   Não adianta a gente obrigar pois  o jovem  é rebelde por natureza. Muita rigidez acaba tolhendo  a criatividade.   A gente esta aqui para deixar os meninos livres.  Por isso que nos vamos ter perdas.  Com certeza. Isso vai nos fazer muito mal, mas a gente precisa seguir o caminho. Aqueles que receberem a oportunidade tem que abraçar como eu fiz.  Eu sempre digo para eles que a oportunidade é um careca de topete , quando ele estiver chegando você agarre ele , pela frente, que depois  que passar não tem como pegar . E às vezes você tem uma única chance. Tem pessoas que tem mais sorte, tem uma, duas, três chances, com pais , com uma família mais bem estruturada , o que não é o caso desses meninos. Muito deles não tem uma família estruturada. Assim como eu também não tive. Então acho que hoje a gente tem que sentir essa satisfação  de poder dar oportunidade para todos os meninos e meninas.

Como é feito o  encaminhamento do menino identificado como um atleta em potencial?

É feita uma avaliação pelos profissionais. E esses profissionais entram em contato com o nosso comandante técnico, que é o Nelson Rocha . E o Nelson Rocha nos apresenta esses resultados.  Só que a gente está começando esse ano.  Então a gente primeiro arrumou a casa.  Hoje nós estamos em  dez comunidade. Ano que vem nós vamos ter mais dez. 2015 mais dez. E 2016 mais dez. Enfim, nós vamos ter um contingente de quatro mil  a cinco mil crianças e jovens  que  vão estar recebendo esse apoio.

E quando elas completam 18 anos? Como é feito o processo de desligamento do projeto?

A gente ainda não está nesse passo. Mas com certeza, na medida em que o projeto for tomando corpo as empresas vão começar a identificar no projeto uma possibilidade real de empreendedorismo  em  recursos humanos. Ou seja,  indicar um menino desse para trabalhar numa empresa , com certeza é o nosso próximo passo.   E  nós também podemos  indicar para as Universidades.  Se o menino já  tiver  com o ensino médio completo teremos a possibilidade de indicar para  realizar um curso dentro do Exercito, Marinha ou Aeronáutica . Esses convênios já estão sendo estabelecidos. Nosso primeiro convênio esta sendo com o Exército. Tenho certeza que a partir desse primeiro passo nós vamos  conseguir muito outros.

Nas comunidades há algum caso de criança portadora de necessidade especial participando do projeto? De que forma é feito o processo de inclusão delas ao programa de treinamento oferecido por vocês?

As crianças com necessidades especiais serão sempre acolhidas pelo projeto, desde que sejam avaliada pelos profissionais e haja a possibilidade reais de acompanharem as atividades, no entanto os jovens podem acompanhar as aulas, e inclusive no Batan já temos algumas crianças realizando as atividades junto com os outros alunos, o que será implantado em todos os outros pólos.

Como você avalia a parceria deste seu projeto  com a Secretaria de Esporte e Lazer do Estado do Rio?

Ela é muito positiva.  Levei um  projeto para a secretaria, e percebendo a possibilidade de atingir mais  jovens,  a gente acabou transformando, mudando um pouco a cara do projeto .  O IRC  esta aqui para trabalhar em prol daqueles que precisam, que realmente tenham a necessidade de receber uma  oportunidade.    Eu sempre utilizei a maquina pública para o bem, como atleta olímpico.  Tive as chances de treinar por conta da máquina publica. O Célio de Barros  que está dentro do Maracanã, que é de um complexo que pertence ao SUDERJ, e que é uma máquina pública.  . Isso me facilitou muito a vida.   Mas assim como eu tive essa chance, eu espero que outros também tenham.   

Você também é oriundo de uma comunidade carente, a Nova Holanda, na Maré, e apesar das adversidades conseguiu chegar ao topo da elite esportiva brasileira.   Qual mensagem você gostaria de passar para meninos e meninas carentes  que almejam tornarem-se campeões na vida?

A vida não vai ser fácil. De maneira nenhuma.  Não foi pra mim. Não vai ser pra eles, para vocês, meninos e meninas de comunidades carentes.  Mas tenham a certeza de que existe sempre alguém do bem querendo ajudá-los, agarrem as oportunidades e acreditem no sonho.  


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Por Julio Oliveira Amado / Fotos: Cleber Maia

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