A prática esportiva vai
muito além das disputas dentro dos estádios e ginásios. Ao aliar esporte na
rotina é possível permitir, que crianças e jovens se sintam participantes da
sociedade, além de possibilitar que eles desenvolvam habilidades fundamentais
para o desenvolvimento físico, psicológico e para o processo educacional.
Tendo como principal
objetivo levar noções de cidadania e inclusão social através do esporte, o
projeto Futuro Campeão realizado a partir de uma parceria entre a Secretaria de
Esporte e Lazer do Rio de Janeiro (SEEL) e o Instituto Robson Caetano (IRC)
passa a integrar a rotina de 10
comunidades pacificadas, levando mais dignidade e qualidade de vida para
centenas de crianças e jovens.
Dentre as comunidades com
UPP´s beneficiadas este ano pelo projeto, estão: Cidade de Deus, Borel,
Salgueiro, Andaraí, Macacos, São João, Batan, Mangueira, Rocinha e Complexo do
Alemão (Fazendinha).
A frente da presidência do Instituto
está Robson Caetano, que é dono de duas
medalhas olímpicas ( Bronze em Seul/1988 nos 200m rasos e Atlanta/1996 no
revezamento 4 x 100). Disputou quatro
Jogos Olímpicos, possui duas medalhas de ouro em Jogos Pan-Americanos, bateu
sete recordes sul-americanos e desde 1988 até hoje é o dono da marca dos 100m
com 10s.
Confira abaixo a entrevista
que o presidente do IRC, o medalhista olímpico Robson Caetano concedeu ao PMDB
AFRO RJ.
Como surgiu a ideia
de se desenvolver o projeto
Futuro Campeão em Comunidades Carentes?
A ideia surgiu de um sonho que eu sempre tive que é de ter um projeto social. E
aí reencontrei dois grandes amigos, Paulo Ramón e o Robson Maia, que começaram
realmente a dar uma aquecida nessa ideia, dando um norte pra ela, então a gente começou a desenvolver as metas do
projeto. E o que era para ser apenas um
projeto escolar, com palestras para
falar sobre a importância do esporte, acabou, incentivado por uma pessoa que era a secretária
de esporte na época, a Márcia
Lins, a fazer parte de um guarda chuva maior, que era o projeto Rio 2016. Nesse
projeto Rio 2016 a gente pensou em desenvolver um a proposta que levasse para
as crianças uma ideia de através da oportunidade se conseguir o sucesso. Não como atleta
propriamente dito, mas como pessoas, como cidadãos. O
projeto não saiu na gestão da Márcia Lins. Não é
um projeto que dependa do secretário vigente, é um projeto que independe disso,
é um projeto muito maior, é realmente projeto de proliferação da qualidade
de vida, e da prática esportiva, e de oportunidades que são dadas aos meninos e meninas das
comunidades carentes. O Futuro
Campeão vem exatamente para dar ao
menino que é carente e não tem por exemplo, dinheiro para comprar uma chuteira,
para comprar uma camisa, a oportunidade de ter um par de tênis, meia , calção,
camiseta, oferecidos pelo projeto, e a pratica com um profissional de educação física
e toda uma equipe multidisciplinar que vai dar um suporte, no momento necessário.
A gente tem sempre o desejo de retribuir à sociedade
aquilo que ela ofereceu pra gente. E me foi oferecida uma oportunidade através
de uma profissional de educação para que eu pudesse entrar no esporte e fazer
do esporte a minha vida. Eu sempre falo que o esporte se tornou a minha arma
para o sucesso, é um pouco pesado, mas é necessário ser dito, pois é muita a
nossa realidade. Enquanto outros empunham
armas de verdade, a minha arma para o sucesso foi um calção, uma par de uma sapatilha para correr , uma camiseta e um clube
chamado Botafogo. A minha origem é extremamente humilde. Eu sou de uma comunidade
que talvez seja uma das mais violentas do Rio de Janeiro, que é a comunidade da
Maré, Nova Holanda. Que é uma das sete
que nós temos de facções que são extremamente violentas no sentido de proteção
daquilo que eles consideram um comércio. Mas que felizmente pra gente é ilegal,
pois protege ainda mais as nossas crianças. E eu venho dessa realidade.
Assistindo isso, e
vendo várias outros projetos e pessoas tentando de todas as formas fazer
com que a comunidades sejam conhecidas através de seus nomes . Existem vários
exemplos como escritores, físicos, professores e profissionais que fazem a sua
parte, e são oriundos dessas comunidades. E partir do momento que a gente joga um
projeto como esse para as comunidades, a gente vai conseguindo com que as
pessoas tenham mais orgulho de estar, ou de terem nascido em uma comunidade carente, como eu sou orgulhoso.
Grande parte
dessas crianças têm a traumática experiência de convívio em uma área por muito
tempo dominada pelo crime organizado. Já
é possível sentir o impacto desse projeto na vida dessas crianças?
Está muito recente. O projeto é muito recente. Nós
começamos esse ano. As avaliações vão ser feitas da metade para o ano que está
entrando, 2014. Então, de cara eu posso
dizer para você que a adesão é muito grande.
Só pelo fato de a adesão estar sendo grande, a gente já vê o resultado
como positivo. O que me deixa muito contente.
Para estar recebendo lá garotos que estavam com o pé no craque, e que
por conta desse trabalho feito com ele duas vezes por semana, eles começam a
identificar a possibilidade de ser uma pessoa respeitada por fazer esporte.
Então isso já é um indicador positivo, e outros virão.
E como você se sente fazendo parte desse momento do
Rio de Janeiro em que comunidades por muito tempo dominadas pelo trafico se veem
livres, finalmente acolhidas pelo Estado, e com essas crianças tendo a
possibilidade de exercerem o direito de
sonhar mais alto?
Eu me sinto muito bem fazendo o bem, e conto com um
time muito imbuído desse dever. Eu me
sinto muito bem proporcionando o bem às pessoas. E principalmente dando a oportunidade, tendo sempre um plano para que a gente possa
encontrar saída para esses meninos. Muitos vão pedir coisas que nos não vamos
poder dar, mas com certeza terão uma vida mais longa. Uma vida mais decente. E
principalmente uma vida junto a família.
Porque a gente esta muito preocupado com a família também. Eu recebi na Fazenda Botafogo, onde nós começamos,
um menino que já estava vulnerável ao craque devido ao círculo de amizades. Hoje ele esta treinando conosco e o
resultado é muito positivo.
Hoje ele está menos vulnerável craque?
Ele ainda tem amigos no craque. O problema é esse. Então
a gente tem que reforçar. Hoje ele não esta mais morando na rua. A
gente não obriga nada. E a gente da a liberdade para a pessoa fazer o
que ela acha que é certo. Não adianta a
gente obrigar pois o jovem é rebelde por natureza. Muita rigidez acaba tolhendo
a criatividade. A gente
esta aqui para deixar os meninos livres.
Por isso que nos vamos ter perdas.
Com certeza. Isso vai nos fazer muito mal, mas a gente precisa seguir o caminho.
Aqueles que receberem a oportunidade tem que abraçar como eu fiz. Eu sempre digo para eles que a oportunidade é
um careca de topete , quando ele estiver chegando você agarre ele , pela frente,
que depois que passar não tem como pegar
. E às vezes você tem uma única chance. Tem pessoas que tem mais sorte, tem uma,
duas, três chances, com pais , com uma família mais bem estruturada , o que não
é o caso desses meninos. Muito deles não tem uma família estruturada. Assim
como eu também não tive. Então acho que hoje a gente tem que sentir essa
satisfação de poder dar oportunidade
para todos os meninos e meninas.
Como é feito o encaminhamento do menino identificado como
um atleta em potencial?
É feita uma avaliação pelos profissionais. E esses
profissionais entram em contato com o nosso comandante técnico, que é o Nelson
Rocha . E o Nelson Rocha nos apresenta esses resultados. Só que a gente está começando esse ano. Então a gente primeiro arrumou a casa. Hoje nós estamos em dez comunidade. Ano que vem nós vamos ter mais
dez. 2015 mais dez. E 2016 mais dez. Enfim, nós vamos ter um contingente de quatro
mil a cinco mil crianças e jovens que vão
estar recebendo esse apoio.
E quando elas completam 18 anos? Como é feito o processo
de desligamento do projeto?
A gente ainda não está nesse passo. Mas com certeza, na
medida em que o projeto for tomando corpo as empresas vão começar a identificar
no projeto uma possibilidade real de empreendedorismo em recursos humanos. Ou seja, indicar um menino desse para trabalhar numa
empresa , com certeza é o nosso próximo passo.
E
nós também podemos indicar para
as Universidades. Se o menino já tiver com o ensino médio completo teremos a
possibilidade de indicar para realizar
um curso dentro do Exercito, Marinha ou Aeronáutica . Esses convênios já estão
sendo estabelecidos. Nosso primeiro convênio esta sendo com o Exército. Tenho
certeza que a partir desse primeiro passo nós vamos conseguir muito outros.
Nas
comunidades há algum caso de criança portadora de necessidade especial
participando do projeto? De que forma é feito o processo de inclusão delas ao
programa de treinamento oferecido por vocês?
As crianças
com necessidades especiais serão sempre acolhidas pelo projeto, desde que sejam
avaliada pelos profissionais e haja a possibilidade reais de acompanharem as
atividades, no entanto os jovens podem acompanhar as aulas, e inclusive no
Batan já temos algumas crianças realizando as atividades junto com os outros
alunos, o que será implantado em todos os outros pólos.
Como você avalia a parceria deste seu projeto com a Secretaria de Esporte e Lazer do Estado do Rio?
Ela é muito positiva.
Levei um projeto para a
secretaria, e percebendo a possibilidade de atingir mais jovens, a gente acabou transformando, mudando um pouco
a cara do projeto . O IRC esta aqui para trabalhar em prol daqueles que
precisam, que realmente tenham a necessidade de receber uma oportunidade. Eu sempre utilizei a maquina pública para o bem,
como atleta olímpico. Tive as chances de
treinar por conta da máquina publica. O Célio de Barros que está dentro do Maracanã, que é de um complexo
que pertence ao SUDERJ, e que é uma máquina pública. . Isso me facilitou muito a vida. Mas assim como eu tive essa chance, eu
espero que outros também tenham.
Você também é oriundo de uma comunidade carente, a
Nova Holanda, na Maré, e apesar das adversidades conseguiu chegar ao topo da elite
esportiva brasileira. Qual mensagem você
gostaria de passar para meninos e meninas carentes que almejam tornarem-se campeões na vida?
A vida não vai ser fácil. De maneira nenhuma. Não foi pra mim. Não vai ser pra eles, para vocês,
meninos e meninas de comunidades carentes.
Mas tenham a certeza de que existe sempre alguém do bem querendo
ajudá-los, agarrem as oportunidades e acreditem no sonho.
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Por Julio Oliveira Amado / Fotos: Cleber Maia
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