segunda-feira, 19 de maio de 2014

Ministra analisa relações raciais no Brasil em encontro do Centro Universitário de Volta Redonda


Focado no fortalecimento institucional dos povos e comunidades tradicionais do sul-fluminense do Rio de Janeiro, o evento foi organizado pela UniFOA com a SEPPIR e integrou agenda da ministra nos municípios cariocas da região


Para a ministra, a maior repercussão de episódios de racismo
 não se deve ao aumento dos casos, mas à coragem das pessoas
de denunciar a agressão que sofrem
A ampliação da consciência racial e o reconhecimento das comunidades quilombolas como agentes importantes no debate político, foram aspectos da conjuntura brasileira analisados pela ministra Luiza Bairros, titular da SEPPIR, durante o ‘I Encontro Promoção da Igualdade Racial’, do Centro Universitário de Volta Redonda (UniFOA), na última quinta-feira, 15. A atividade visou proporcionar um espaço de diálogo entre a universidade, as comunidades tradicionais da região e o poder público, para identificar demandas e políticas públicas direcionadas ao segmento.

Organizado pela UniFOA com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), o evento integrou a agenda da ministra na região sul-fluminense do Rio de Janeiro, quinta e sexta-feira (15 e 16 de maio). Na programação, voltada para o fortalecimento institucional de povos e comunidades tradicionais, oficinas de capacitação coordenadas pela SEPPIR, audiência pública com a Defensoria Pública da União – também parceira da atividade – com participação de lideranças quilombolas, de matriz africana, caiçaras, e de povos indígenas.

A programação teve ainda exposições culturais e a exibição do vídeo-documentário ‘Voz Quilombola’, produzido por estudantes de Comunicação da UniFOA para retratar a realidade da Comunidade Quilombola de Santana, em Quatis. Na sexta, o quilombo recebeu uma comitiva de autoridades lideradas pela ministra, que também visitou o Museu da Memória do Negro, em Barra Mansa, e um acampamento cigano em Porto Real, município apontado como uma das principais economias do país, com PIB de R$3.502.627,00, cerca de 16,5 mil habitantes e o maior IDH do Estado (0,743 Pnud/2010).

“Hoje, temos no governo federal, através da SEPPIR, uma série de planos, programas, voltados para os diversos segmentos da população negra, abordando as comunidades quilombolas, através do Programa Brasil Quilombola, as comunidades de matriz africana, o Plano Juventude Viva, que trata especialmente do compromisso com o combate às altas taxas de homicídios entre os jovens negros. Temos atuado também com as ações afirmativas, a exemplo da Lei de Cotas para as universidades públicas federais e os institutos tecnológicos federais, e estamos trabalhando pela aprovação do Projeto de Lei que está no Senado e que propõe a instituição de cotas para negros nos concursos públicos da administração direta, das empresas, autarquias e fundações públicas”, afirmou a ministra na solenidade da UniFOA.

Além da ministra Luiza Bairros, a solenidade da UniFOA teve uma mesa composta pelo presidente da Fundação Oswaldo Aranha (FOA), Dauro Peixoto Aragão, o Defensor Público da União, José Roberto Fani Tambasco, a reitora e a pró-reitora de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão da UniFOA, Cláudia Yamada Utagawa e Katia Mika Nishimura, respectivamente.

Processo inédito
Para a ministra, quase todas as pautas colocadas pelos movimentos negros nos últimos 30 anos foi, de algum modo, absorvido, pelas instituições públicas do Brasil. “Tudo isso constitui um processo inédito dentro do governo brasileiro, considerando os séculos de abandono do ponto de vista político da população negra. Temos um conjunto de ações especificamente voltadas para o segmento e que se soma a várias outras políticas como a valorização do salário mínimo, a expansão do mercado formal de trabalho e o aumento das oportunidades na área educacional, que provocaram um impacto muito grande na população brasileira como um todo, ao lado dos programas sociais de combate e superação da pobreza, com destaque para o Bolsa Família”, explicou.

“As mudanças que foram acontecendo ao longo do tempo são, em muitos sentidos, o reconhecimento de que os movimentos negros tinham razão no que colocavam, principalmente em relação ao fato de que mais da metade da população brasileira é formada pelos negros, que estiveram quase totalmente excluídos dos direitos da cidadania durante séculos”, declarou a chefe da SEPPIR, afirmando que há cerca de 15 anos o movimento negro sequer considerava a possibilidade do governo brasileiro se comprometer com a pauta racial.

Outro aspecto que para a ministra confere um caráter diferenciado ao momento atual do país é o fato de que o enfrentamento ao racismo e a promoção da igualdade racial deixaram de ser tarefas exclusivas dos movimentos sociais, na medida em que as instituições tem assumido parte das suas responsabilidades. “Hoje, muitas instituições operam nesse espaço do combate ao racismo. E é o trabalho conjunto dessas instituições que tem a capacidade de gerar ou não os resultados que pretendemos, que é a construção e a afirmação da igualdade como valor essencial da democracia”, explicou a chefe da SEPPIR.

Para ela, a Lei de Cotas não estaria em vigor se a SEPPIR não existisse e não tivesse priorizado atuar junto ao Congresso Nacional para que o Projeto de Lei que a previu fosse pautado depois de 10 anos de sua proposição. “A Lei de Cotas não teria sido aprovada se o Supremo Tribunal Federal não tivesse votado por unanimidade a constitucionalidade das ações afirmativas. Só a partir daí é que colocou o legislativo, por sua vez, na condição quase que de obrigação moral, de tirar essa lei da gaveta e fazer ela tramitar e chegar a ser aprovada para produzir os efeitos que precisávamos imediatamente, que era o de acelerar a presença negra no ensino superior no Brasil, até então considerado um privilégio dos filhos das elites desse país”, afirmou a ministra.

Consciência racial
A ampliação da consciência racial no país foi mais um aspecto que a ela analisou como importante para ser considerado como mudança significativa do ambiente político atual. “Chegamos a viver um momento no país em que as pessoas negras negavam a sua própria condição por vergonha, por medo de ser discriminada e, até pouco tempo na sociedade brasileira, as pessoas brancas se ofendiam de ser assim identificadas porque era, de certa forma, uma sociedade que se recusava a se olhar no espelho e ver a sua verdadeira imagem refletida”, explicou.

O censo demográfico de 2010 do IBGE aponta o crescimento da consciência racial no país, de acordo com a ministra, que disse que pela primeira vez na contagem, os negros aparecem como sendo mais de 50% da população brasileira. “Tivemos um processo em que a autodeclaração da cor deixa de ser, cada vez mais, problema para as pessoas. E isso também está provado até no vídeo exibido aqui. Duvido que há 15 anos, o discurso das pessoas fossem tão afirmativos, pois até por uma questão de autoproteção e autopreservação, durante muitos anos no Brasil, foi preciso que as comunidades quilombolas se escondessem”, afirmou, se referindo aos depoimentos do documentário ‘Voz Quilombola’.

O surgimento de novos sujeitos políticos como os quilombolas, reconhecidos pelas instituições como um agente importante no debate sobre a política pública no Brasil é entendido pela ministra como “fruto de um processo de organização política do movimento negro”. Ela afirma que a capacidade de se colocar como quilombola, de comunidade de matriz africana ou caiçara, e de atuar a partir dessa condição, resulta de um processo de luta dos movimentos sociais capaz de colocar a população negra dentro da configuração política atual.

“Existem novos sujeitos políticos, reivindicando direitos, assumindo uma identidade que o Brasil durante tanto tempo tentou fazer com que negássemos. Isso implica também numa reação contrária a essas mudanças que fomos capazes de provocar e que se manifestam das mais diversas formas, através de uma crescente demonstração da discriminação racial”, disse, lembrando que hoje, são noticiados muito mais casos de pessoas negras discriminadas.

E para a ministra, a maior repercussão de episódios de racismo não se deve ao aumento dos casos, mas à coragem das pessoas de denunciar a agressão que sofrem. “O que essas manifestações do racismo também indicam é que elas não são uma expressão da nossa fraqueza ou da nossa inferioridade, mas do medo do poder que os negros, paulatinamente, veem ganhando na sociedade brasileira”, concluiu.


Fonte:   SEPPIR

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