Representantes de governos da América Latina e Caribe, da Organização das Nações Unidas (ONU) e de organismos da sociedade civil participam até amanhã (21/03), em Brasília, de reunião regional para o debate de ações conjuntas para a “Década dos Afrodescentes”. Além da troca de experiências sobre a situação da população negra nos países, os participantes elaborarão recomendações, propostas e ações conjuntas para o decênio.
“Nós esperamos utilizar este momento como uma plataforma, uma possibilidade para abrir um novo ciclo de ações regionais, de ações internacionais, que estará abrigado dentro desse framework chamado Década dos Afrodescendentes”, destacou a ministra da Igualdade Racial, Luiza Bairros, na abertura do encontro.
Ela falou ainda sobre a importância das ações afirmativas que foram desenvolvidas desde 2001, ano da III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, mas ressaltou que os mecanismos responsáveis pelo racismo em todos os países da região ainda persistem, “mesmo em países que se encontram em situações de desenvolvimento econômico e social nunca vividos”.
Para a gestora, deve-se buscar a incorporação do tema da discriminação racial nas instâncias de integração regional como a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), a Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) e o Mercosul. Segundo ela, o governo brasileiro, com o apoio de outros países, tem buscado elevar o perfil das instâncias que abordam a questão racial no âmbito regional, o que já resultou na formação de grupos de trabalho específicos no Mercosul e na Unasul.
“Temos que fortalecer a forma de participação e intervenção nessas instâncias e especialmente considerando a Celac, que possibilita uma ampliação do nosso trabalho além da América Latina, incorporando as realidades dos países caribenhos que, com certeza, tem um histórico com potencial para uma contribuição importante para arejar o debate sobre a promoção da igualdade racial e possibilidades de articulação regional”.
Compromisso da ONU
Representante da ONU no Brasil, Jorge Chediek destacou o apoio institucional da organização para o desenvolvimento da agenda positiva de combate ao racismo e pela igualdade racial. “Em nosso DNA, como pessoas que trabalham para as Nações Unidas, está a luta contra todos os tipos de discriminação. E o que precisamos é desenvolver e apoiar maiores e mais parcerias. Vamos apoiar os seus esforços a partir de compromisso institucional para lançar essa grande agenda de que o mundo necessita urgentemente”, disse.
O encontro, que também faz parte das comemorações de 11 anos de criação da SEPPIR, conta com a presença de representantes da Colômbia, Jamaica, Paraguai, Trinidade e Tobago, Paraguai, Cuba, Venezuela, Argentina, Equador, El Salvador, Honduras, Guatemala, Costa Rica, Peru, Suriname, México, Nicarágua, Guiana, Barbados, Bolívia e Chile, Haiti, Panamá, Peru e República Dominicana.
Além de Chediek, também participaram da mesa de abertura, Alexandre Ghisleni, representante do Ministério das Relações Exteriores e Rodger Samuel, ministro da Diversidade e da Integração Social de Trinidade e Tobago.
“Não podemos ultrapassar esta década sem dizer qual é o mundo que queremos”
A fala é de Walter Robnson, representante do Governo da Costa Rica, dita durante o painel em que se buscou refletir sobre a condição dos afrodescentes na América Latina e no Caribe e indicar os principais desafios para o decênio, que será celebrada de 1° de janeiro de 2015 a 31 de dezembro de 2024. Coordenada pelo representante do Fundo de População das Nações Unidas, UNFPA, Harold Robinson, a mesa contou com as falas dos painelistas Pastor Murillo, do Comitê para Eliminação da Discriminação Racial da ONU e da Embaixadora da Jamaica no Brasil, Alison E. Stone Roofe.
Murillo listou mecanismos racistas que afetam o desenvolvimento regional. Para ele, as oportunidades são abreviadas devido às circunstancias históricas de racismo e discriminação estrutural que afetam a população latino-americana afrodescendente. Dentre elas, estariam a falta de acesso à educação, emprego, a presença desproporcional de negros e negras nos sistemas prisionais e o alto índice de violência contra os afrodescendentes. “Outro fator importante é que a população afrodescendente está sub-representada em todas as instâncias de decisão dos países”, disse, oferecendo como exemplo a baixa representatividade do segmento no parlamento brasileiro.
Já Roofe observou a necessidade da construção de um projeto de desenvolvimento sustentável nos países e da afirmação cultural afrodescendente, com respeito à diversidade. Ela destacou ainda que o Brasil ocupa um lugar de destaque e respeito para a construção de ações afirmativas na luta pela desigualdade racial.
Em comum, as falas trouxeram a necessidade de ações nos setores da educação, trabalho, e cultura. Também foram apontadas a necessidade de realização de estudos e pesquisas que indiquem parâmetros entre as populações afrodescendentes dos países; de implementação de ferramentas que integrem políticas públicas de igualdade racial; e da institucionalização das ações afirmativas. O sistema de cotas raciais do Brasil na educação e no trabalho também foram citados como exemplos de desafios para os países da América Latina e Caribe.
A questão racial e de gênero
Um debate sobre gênero permeou o painel suscitado pela embaixadora da Jamaica, que lembrou da dificuldade das mulheres negras no acesso ao trabalho e a incidência do preconceito quando em cargos de poder. Rodger Samuel, ministro da Diversidade e da Integração Social de Trinidade e Tobago, acha que os países devem estudar as causas dos diferenciais de acesso à educação e trabalho entre os gêneros na população afrodescendente.
“Não podemos ignorar o fato de que as mulheres estão se superando, mas devemos abordar essas diferenças entre os homens e mulheres negras para estimular, fortalecer o núcleo familiar e os países”, disse, em debate sobre o maior acesso das mulheres à educação e ao trabalho nos países.
No que se refere aos totais de matrículas, ingressos e concluintes dos cursos de graduação por sexo no Brasil, a participação é majoritariamente feminina. Em relação aos cursos de graduação de 2011, são do sexo feminino: 56,9% das matrículas, 55,8% dos ingressos e 61,1% dos concluintes. Os dados são do "Resumo Técnico Censo da Educação Superior de 2011", do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira do Ministério da Educação (INEP/ MEC).
Representando o Odara - Instituto da Mulher Negra, da Bahia, Valdecir Nascimento destacou a importância da colaboração dos homens na luta pela igualdade racial e disse: “No Brasil, apesar de parecer que nós, mulheres, estamos nos destacando ou alcançando grandes espaços de poder, ainda é muito insignificante essa realidade perto das facilidades e dos acessos que os homens negros têm muito mais do que a gente no mercado de trabalho, nas representações políticas, na mídia. No caso do Brasil, com toda a luta, nós, mulheres negras, ainda somos preteridas, ainda estamos no último patamar da pirâmide. É bom refletir com cuidado, senão, daqui a pouco nós vamos voltar de onde ainda nem saímos”, concluiu.
Fonte: SEPPIR
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